INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

segunda-feira, 31 de março de 2014

XIV - REGRESSO À COUTADA DE MUCUSSO

Piloto carcamanho muito jovem, de 20 anos, fez a melhor distribuição da carga, para equilíbrio do avião, como mandam as regras aeronáuticas, colocando o Saco do Correio atrás, juntamente com as cestas contendo legumes frescos, arrumou um saco com pertences seus, algum material requisitado pela Companhia e apetrechos que só à chegada percebi que nos eram alheios.
Decorridos uns bons 90 minutos após a descolagem, e indo nós numa amena cavaqueira, começa-se a visualizar as enormes chanas (savanas) a perder de vista, num horizonte mais alargado pela altitude de voo. De repente, ele, às gargalhadas, “pica” sobre uma manada de búfalos, passa em voo rasante, e ergue-se de novo nos céus. Já não sei de que lado tenho o fígado nem o estômago. A cabeça fica tonta de tal modo que entro numa situação de enjoo aflitivo. Os comandos eram duplos e viajávamos um ao lado do outro. Tínhamos intercomunicador, de contrário, com o barulho do motor, não nos ouviríamos, apesar de tão próximos. Digo-lhe como me sinto e ele responde-me, de pronto: “põe a mão na manche!” E, inexplicavelmente para mim – ainda hoje me interrogo como é isso possível -, não é que resultou mesmo? Serenei, fiquei tranquilo e estável. Então, vai daí, sempre às gargalhadas, resolveu fazer um quase looping … digo quase porque ele não fechou o círculo. Perdi por completo o sentido de orientação: já não sabia onde estava o céu e onde estava a terra … Era um tipo muito simpático, afável e muito conversador.
Decorridas duas horas de voo, avistámos, por fim, ao longe, as instalações da Coutada.

Vista aérea da Coutada do Mucusso

O “pássaro” faz um voo rasante às copas das árvores e aterra na Pista Nova. Entretanto, ele diz-me para ficar junto ao avião até à descolagem.
Descarregado tudo que a nós se destinava, ele faz-me sinal, de novo, para ficar na pista, mas no meio. Descola num espaço muito curto, sobe, dá meia volta, e, qual o meu espanto, “pica” sobre mim, que me obriga a atirar-me para o chão. Toma, de novo, um pouco de altitude, dá a volta, passa novamente, abana as asas, como saudação, e toma o rumo da sua Base no Rundu. Percebi, então, que o material não descarregado tinha como destino final aquele território.
Narro ao lº Vilares o que o Major Ló me havia transmitido em Serpa Pinto. Respondeu-me que, na minha ausência, tudo tinha sido já resolvido.
Aconteceu que em alguns Destacamentos tinha sido já detetada, antes da minha partida, uma falta de alguns géneros, incluindo Rações de Combate, tudo surripiado por mãos anónimas e velozes na arte. Constou-se que alguns soldados “compravam” o amor de algumas pretinhas bosquímanas com “aquelas guloseimas”. E como quem comanda é o responsável por tudo que os seus subordinados fazem ou deixam de fazer, foram instalados Autos de Averiguações e, claro, da conclusão tirada, como não se apuraram responsáveis diretos, sobrou para os respetivos Comandantes.

Carlos Jorge Mota

XIII - DE LUANDA A SERPA PINTO

Aterro em Luanda e tenho a aguardar-me, no Aeroporto, o meu amigo Francisco Fontes, irmão do já citado Noé - que comigo tirou uma fotografia em casa dos meus pais -, e que igualmente viria a ser meu colega no mesmo Banco, terminando a sua carreira como Gerente do Balcão da Venda Nova. Transmito-lhe que está tudo bem com a sua família, entrego-lhe um pequeno pacote de que fui portador e relato a situação do meu pai. Ele estava por dentro de tudo mas nunca me havia revelado absolutamente nada. Dirigimo-nos para o domicílio de seu Tio Tono. Fardo-me e dirijo-me imediatamente ao QG (Quartel-General) para me apresentar na Região Militar de Angola, a fim de carimbar o Passaporte Militar e, dessa forma, regularizar a minha situação de retorno à RMA. Fui dispensado de me apresentar nos Adidos uma vez que a viagem para Serpa Pinto teria lugar daí a dois dias, tempo aproveitado para gozar Luanda e os seus encantos.

Na Ilha do Mussulo
   
O Autor e o Xico Fontes, na Marginal

Trajando à civil, tomo um Friendship (avião turbo-hélice) da DTA para Serpa Pinto, via Nova Lisboa. Para minha surpresa, vejo na Pista de Aterragem, à chegada àquela longínqua cidade, o Major Ló, também trajando à civil. E para meu espanto, depois de cumprimentos feitos por ele a algumas pessoas que comigo viajaram, dirige-se a mim, pôs a mão no meu ombro e diz-me: “então Mota, como correram as férias?”. Fiquei admirado por ele ter conhecimento que eu viajava ali e ser sabedor do meu nome, não pertencendo eu ao seu Batalhão… A minha Companhia encontrava-se em reforço da sua Unidade mas não lhe era organicamente afeta. Dei-lhe uma resposta de circunstância e procurei ser afável. “Disparou” de imediato: “É preciso ir rapidamente para baixo pois há por lá uns problemas que eu quero ver resolvidos com urgência!”. Deduzi ao que se reportava, pois, antes da minha saída, tinham sido detetadas situações anómalas quanto a abastecimentos em alguns nossos Destacamentos. Com um ar respeitoso, disse-lhe eu: “vou já tratar à CCS do transporte no Cessna, pois quanto mais depressa lá chegar mais depressa mato o leão!”. Olhou para mim com um ar circunspecto, num misto de surpresa pelo atrevimento e algo que não estivesse a entender, tentando adivinhar o sentido dúbio das minhas palavras, e, inteligente como era (é, ele ainda é vivo), o seu semblante sofreu uma metamorfose rapidíssima: passou do olhar gélido, tipo “fuzilamento”, para o do sorriso, dizendo, com alguma simpatia: “a notícia do Luengue chegou rápida, já estou a ver!”. É que o Carlos Paulo, da Companhia de Cavalaria 2499, tinha abatido um leão no Destacamento do Luengue, o que era absolutamente proibido. Foi-lhe feita uma ameaça duma punição muito severa, mas, felizmente, nada aconteceu. Desconheço o destino que foi dado ao cadáver do bicho, desde a juba até aos ossos …
Feitas as necessárias e habituais diligências na Secretaria da Companhia de Comando e Serviços do Batalhão de Cavalaria 2870, eis-me pronto para embarque, no dia aprazado,  fardado de camuflado, no Cessna dos “nossos primos”, de regresso à minha “família militar”.

Carlos Jorge Mota

XII - O CHOQUE BRUTAL

Chego dia 27 de fevereiro. Viagem de carro para casa. No trajeto introduzem perguntas curiosas sucessivas, mas também reveladoras, percebi logo, de neutralizar as minhas em relação a meu pai, razão da minha vinda acelerada.
Entro no quarto, ele, deitado na cama, com a feição completamente desfigurada, entra num choro convulsivo, dizendo, numa voz deficiente: “vens da Guerra, não te despediste de mim, e agora vês-me nesta forma!”. Eu, qual durão ceráceo, retorqui: “o paizinho (assim lhe chamava eu) está com razoável aspeto e vai recuperar rapidamente, vai ver!”. Saio, fecho-me no Quarto-de-Banho e choro desesperadamente procurando abafar o som, pois um homem não chora, muito menos “um guerreiro”.
Gozo os 30 dias normais da praxe mais os 5 ao abrigo do então Artigo 109º (se a memória não me atraiçoa). Tempo dum relaxamento tenso, convívio com a família e com a namorada. Os amigos estavam todos em África. Ida ao Quartel-General no Porto, para carimbar o Passaporte Militar, como mandavam as regras, para confirmar a presença na cidade.


Em casa de meus pais, com Noé Fontes – irmão dum Camarada, também amigo de infância,  que se encontrava em Luanda, no Posto de SPM (Serviço Postal Militar) do Grafanil –, e que,  por ser um pouco mais velho, já tinha passado à disponibilidade, sem mobilização.
Ignorava ele que, passados 3 anos, estaria em Cabinda, como Capitão Miliciano. Também se tornou bancário, mas no Banco Totta & Açores.


O Dr. Cruz, acompanhante da doença de meu pai, tio dum cunhado meu, informa-me, com indisfarçável dificuldade: “Jorge, quando voltar para Angola não vai voltar a ver o seu pai! Vai-lhe dar o 3º AVC – estão reunidas todas as condições, não sei é quando ocorrerá – e ele não irá resistir”. Fiquei siderado.
O tempo de regresso aproxima-se rapidamente pois o tempo de convívio não passa ... voa. Peço à família que quando, e se, o pai falecer não me avisem de imediato, pois não quero conceber a ideia de receber um telegrama informando-me desse facto e eu não poder estar junto a ele. “Comuniquem-me passados aí uns dez dias”, disse eu.
Decorridos num ápice os dias 27 e 28 do segundo mês daquele ano de 1970, todo o mês de março e o 1º de abril, estou eu de mala feita para embarque no dia 2 em Pedras Rubras.
Entro no quarto de meu pai, e ele, balbuciando, diz: “já vais, não é? Vai, vai, é o teu dever e deves cumprir essa obrigação”. Nascido em 1903, viveu as duas Guerras Mundiais. O termo “guerra” era muito emblemático para ele, mas teve sempre um sentido muito patriótico acerca dos conceitos da época sobre as Províncias Ultramarinas. Sabia bastante da matéria relacionada com a defesa das Colónias aquando da I Guerra Mundial. Eu, qual autómato sorumbático, aparvalhado, dou-lhe um beijo e um abraço e saio rapidamente do quarto. Procuro colocar a minha mente já em Angola para tentar fintar o pensamento que me assalta e me fere o coração.
Abraços e choros circunstanciais dos presentes, entro no Caravelle da TAP em Pedras Rubras e concentro-me já em Lisboa, onde me aguarda um Jumbo (Boeing de 2 pisos) na sua viagem inaugural, chamado “Vasco da Gama”, com destino a Luanda.
A premonição do médico foi cumprida quatro meses depois.

Carlos Jorge Mota

XI - FÉRIAS FORÇADAS

Dia de chegada do Cessna, dia de Correio, portanto. Uma operação helitransportada iria decorrer nos dias seguintes, portanto, a Coutada estava com todos “os nossos primos” pertencentes à Esquadra de Alouettes de Apoio. Estou a ler a carta recebida de casa e tenho os olhos lacrimejantes. Um carcamanho aproxima-se de mim e pergunta: “Bad news?” Explico-lhe que o meu pai está muito doente, que diz que não quer morrer sem me voltar a ver, e a família pergunta se posso vir à Metrópole. Estiveram meses a esconder-me dois AVC’s que o meu pai sofrera, no espaço de poucos meses. Ele nunca se conformou com a minha ida para África, até porque não tive coragem de me despedir dele. Parti como se voltasse no próximo fim-de-semana, mas sabia que iria para o Uíge daí a dias. Como já estávamos em 1970, logo no ano imediato ao início da Comissão, eu tinha já direito a férias. Contei a situação ao Capitão Santana e ele disse logo de imediato: - “Oh Mota, trate já disso que eu dou despacho favorável já hoje e remeto para o Comando de Setor, via Rádio, para aprovação”. Tudo resolvido com muita rapidez, incluindo os contactos com a TAP para aquisição dos bilhetes e do benefício que nós, militares, tínhamos em poder pagar em 12 prestações mensais, descontadas no vencimento (soldo). Embarco no Cessna sul-africano para Serpa Pinto e fico lá a aguardar passagem para Luanda, por avião da D.T.A. (Divisão dos Transportes Aéreos), via Nova Lisboa, uma vez que o voo não era diário.

O Castro Maria, o Autor, o Acácio Sampaio e outro Camarada
Aí sou acolhido pelo pessoal graduado, quase todo do meu Curso de Milicianos. Estou com o Acácio Sampaio (meu amigo de infância), com o Rego, com o Fernandes, com o Zé Mário (e a sua cabrinha), com o Castro Maria e outros mais que não me lembro. Estando no quarto a ver fotografias, vejo, numa delas, o Sarreirita, camarada que pertencia ao meu Pelotão de Instruendos e em cuja fila, que era por alturas, ficava muito próximo de mim. Ele sofria do coração e tinha dificuldades nos crosses. Levei-lhe a arma, carregando duas, portanto, várias vezes, porque ele fraquejava um pouco. Dizia nessa altura que tinha a certeza que iria para Atirador e que iria morrer na Guerra. Dizia-lhe eu; “eh pá, as tuas chances são as mesmas das minhas e de todos nós! Tem calma e vamos mas é acabar esta fase”. Nunca mais o vi, pois cada um seguiu o seu destino, para as mais diversas Especialidades. Retomando a narração: pergunto então por ele e fico a saber aí o que lhe aconteceu no Lupire, Destacamento do Cuito Cuanavale. Mais tarde, muitos anos depois, através do David Ribeiro, meu colega de Banco e que com ele estava no Destacamento, conheço os pormenores: de noite, estando vestido de pijama e sem sono, resolveu levantar-se e, não fumando, foi pedir tabaco e lume a uma sentinela que estava de reforço. Não a encontrando no posto, dirigiu-se, pelo lado de fora do aquartelamento, a uma outra, e visualizou os dois soldados. Escuro como breu. Constava-se que ali os “turras” tinham o hábito de, à noite, andarem de pijama. Talvez boato, mas era levado a sério. O homem que estava de sentinela, não o reconhecendo perante a escuridão, gritou, como mandam as regras militares: “quem vem lá faz alto!” e aponta-lhe a G-3. O Sarreira, pensando que ele estava a brincar, não respondeu e continuou a avançar. O homem dispara e atinge-o na zona abdominal. Permanece sempre completamente lúcido e conta como tudo se passou. Chegado o Enfermeiro, tenta estancar-lhe o sangue que entretanto brota do enorme buraco que tem nas costas, por isso fica sempre deitado de barriga no chão para lhe poder ser colocadas mechas. Pede-se evacuação, mas o Héli, como era normal, só chega de manhã, e ele segue então para Nova Lisboa e depois para Luanda, dado que o estado era muito grave. Passou-se uma semana e toda a gente no Destacamento se convenceu que o Sarreirita se tinha safado. Mas não. Morreu nesse dia à noite. O silêncio da informação foi para evitar perturbação psicológica. Teve que ser retirada a arma ao homem que abriu fogo, pois ele ficou completamente transtornado e receavam que se suicidasse.
Ironia do destino: o Castro Maria, citado acima, acabada a Comissão, também se tornou meu colega de profissão, pois empregou-se no Banco Borges & Irmão, primeiro no Porto, onde o encontrei várias vezes, depois em Vila do Conde, sua terra natal e onde vivia, cuja família era e é conhecida pela alcunha dos Varelas. Num brutal assalto ao Banco, perpetrado por energúmenos transportados de moto, ele é abatido com um tiro na cabeça, pois, não se tendo apercebido de nada porque estava absorvido no computador, não se imobilizou, como os bandoleiros exigiram. Fui ao seu funeral que, com tanta gente presente e a demora do cortejo fúnebre, só desceu à terra já noite cerrada.
Embarco para Luanda e logo nessa noite parto para o Porto, via Lisboa, em avião da TAP. Estávamos em fevereiro, frio de rachar, e eu com roupa tropical. A família e namorada me esperavam no Aeroporto de Pedras Rubras, com o meu sobretudo, um chapéu e um cachecol.


Carlos Jorge Mota

X - ATAQUE … DE DENTRO PARA FORA

Quando se regressava duma caçada, geralmente à tardinha, depois da saída pelo amanhecer, formalmente em patrulhamento, o animal capturado ficava pendurado numa árvore alta junto ao local destinado a Refeitório, para arrefecimento da sua carne durante a noite e posterior desmancho logo pela manhã cedo. Óbvio que nessa escuridão quase total, um pouco aliviada nas luas-cheias, as sentinelas teriam que redobrar a atenção porque os leões, atraídos pelo cheiro, frequentemente aproximavam-se muito do arame-farpado e, por vezes, até tocavam nas latas, garrafas e tudo que chocalhasse, lá pendurado por razões de segurança. O bicho Homem, principalmente quando em grupo, mete respeito a todo o animal, por mais feroz que ele seja. A Coutada continha dois pontos de entrada, sem arame, para tráfego das viaturas, mas com pessoal em vigilância, e ainda a larga chana, em declive mas sempre iluminada com holofotes, por razões óbvias.

Búfalo. Fiz parte desta caçada

Local de Refeitório para o Pessoal (provisório)

De noite, como é normal nos Quartéis, e ali por razões acrescidas, é colocado pessoal de reforço para vigilância em locais interpostos entre os pontos normais diurnos. Em cada posto ficavam 3 soldados cujo tempo de sentinela era de duas horas, com descanso de quatro horas para dormida no chão, e cada um ia acordando o seguinte, até fim do serviço.
A hora da temperatura mais baixa, em qualquer parte do planeta, é por volta das 6 horas da manhã, e, talvez já pelo cansaço e também pelo frio, era frequente, na ronda aos postos, serem encontrados os três soldados a dormir, portanto, posto sem vigilância. Por razões decorrentes da minha atividade dentro do Aquartelamento, a minha ronda era sempre a última, isto é, exatamente a que abrangia aquela terrível hora. E eu seria, porventura, o Graduado que mais soldados encontrava a dormir. Uma participação formal dessa ocorrência traria como consequência uma punição extremamente severa para o infrator, inclusive julgamento em Tribunal Militar, razão por que, normalmente, em toda as latitudes, as participações, quando elaboradas, descreviam uma situação de “menor atenção”, nunca “a dormir”, embora o Comandante, fosse a que nível fosse, percebesse imediatamente o que realmente tinha acontecido. Na Companhia de Caçadores 2506, que eu tenha conhecimento, e julgo estar bem informado, nunca se fez qualquer tipo de participação por tais razões. Para evitar que, estremunhados, pudessem ter uma reação perigosa, segurávamos as armas dos três soldados, porque desconhecíamos quem competia estar de vigia, e acordávamo-los. O infrator pedia desculpa e diziam todos, depois, como que para atenuar os efeitos: “não há problema, aqui não há turras”. Incutíamos-lhes a ideia, que era verdadeira, que naquele tipo de terreno, um ataque ao quartel se faria sempre com tiro curvo (de morteiro, por exemplo), pois com tiro direto noturno os “turras” denunciariam as suas posições.
Como esta situação, pela nossa avaliação, se poderia tornar perigosa – um dia os guerrilheiros iriam apanhar-nos à cama e levar-nos “à unha” – decidiu-se, num período em que o Capitão Santana estava ausente em Luanda, não me lembro já por que razão, e quem comandava a Companhia era o Madureira – meu futuro colega, embora noutro Banco, o Espírito Santo -, por ser o Alferes com o Curso de Operações Especiais, tirado em Lamego, logo, com a Nota de Curso mais alta, deliberou-se, como atrás digo, fazer-se uma simulação de ataque, como sendo verdadeiro, ao Aquartelamento. Assim se decidiu, assim se fez. À noite, todos os Graduados se colocaram na Messe, com exceção do 1º Vilares e do Candeias, penso que só estes, mas foram avisados, e eu, trocando a última ronda pela primeira, depois de passar o primeiro posto e entre este e o segundo, atiro uma granada ofensiva para fora do espaldão. Imediatamente, do lado precisamente oposto, o Freitas, igualmente com o Curso de Operações Especiais (também futuro colega e do mesmo Banco, o Pinto & Sotto Mayor, onde eu exerci funções de Chefia na Área de Estrangeiro, primeiro, indo depois para a Inspeção e Auditoria; ele terminou a sua carreira como Sub-Gerente no Balcão dos Carvalhos)  procede de igual modo. Bum! Bum! foi ouvido em pontos diametralmente opostos. Gerou-se logo uma situação confusa, com o pessoal a sair das tendas e a correr para os abrigos, mas alguns fazendo já fogo, penso que para o ar. Comecei a ouvir uma fuzilaria atrás de mim e pensei que iria morrer ali com um tiro pelas costas. Começo a gritar “alto ao fogo!”, “alto ao fogo!”, “só se abre fogo no abrigo e quando se localizar o IN!”.
Foram momentos curtos, de uns 10 minutos, mas muito problemáticos. Fiquei meio surdo do ouvido esquerdo e ainda hoje carrego essa deficiência nos sons agudos. O homem da Metralhadora Breda, do lado esquerdo, varreu toda aquela zona, já via até, na escuridão, os turras a correr na pista …
Para aumentar a credibilidade do ato, imediatamente saiu um Grupo de Combate para a mata, bateu toda a zona circundante num raio de cerca de 2 Kms e lá pernoitou.
Por mera e feliz coincidência, no dia seguinte deslocou-se de avião à Coutada o 2º Comandante do Batalhão a que estávamos adidos, Major José Maria Barroso Branco Ló, e, pelo Madureira, ainda na pista, foi-lhe relatado o que havíamos feito. Ele ouviu e aquiesceu, não sei se por dedução pragmática militar da positividade aplicada ou se por mera condescendência compreensiva… Essa vinda deu-nos a possibilidade de gerar na mente do Pessoal de Transmissões a razão da não inclusão no Sitrep desta ocorrência, o que não diminuiu a sua verosimilhança. Todos os Graduados fizeram um Pacto de Silêncio sobre o assunto e o compromisso de esta Simulação nunca ser revelada. Certo, certo, certo, é que nunca mais se apanhou uma sentinela a dormir!... E eles andavam mesmo por ali, conforme desenvolvimentos posteriores vieram a demonstrar.
Penso que, agora, passados mais de 40 anos, este compromisso solene pode ser quebrado, razão por que cito aqui esta façanha, que nos poderia ter saído muito cara, se as coisas tivessem corrido mal. Mas … era a exigência do momento … e os 22/23 anos de idade também ajudaram um pouco… E era a Guerra!...

Carlos Jorge Mota

IX - UMA COMPANHIA DE CAÇADORES TEM QUE TER … CAÇADORES

Logo à chegada à Coutada de Mucusso sinto-me doente, com febre alta, suores frios e dores abdominais. O médico, Dr. Eduardo Ribeiro da Cunha (hoje um conhecido Ortopedista/Traumatologista na zona de Carcavelos), que nos acompanhou na viagem e que connosco ficou algum tempo, pouco – foi substituído por outro médico também chamado Cunha, mas Xavier -, mostrou ali a sua competência profissional pois fez de imediato o diagnóstico correto, felizmente para mim: - “Oh Mota, oh pá, estás com a Febre Tifoide, talvez apanhada na água do Rio Cuito”, disse. Fiquei estarrecido. Febre tifóide aqui no cu do mundo, vou lerpar, pensei, provavelmente influenciado pela morte da minha mãe com essa doença quando eu tinha apenas 3 meses de idade. Mas, com medicação certa e eficaz, e o Mineiro sempre por perto, rapidamente recuperei e me pus novo.
Como a área sob a nossa responsabilidade era de muitas centenas de quilómetros quadrados, recebemos, entretanto, como reforço, um Grupo de Combate da Companhia 2504 do nosso Batalhão, que seguiu em Destacamento para o Luengue, a cerca duma centena de quilómetros, a norte. Para o Dirico e Calai, a sul, tinha já marchado um outro Destacamento, ao nível de Secção, que se desdobrou por estas duas localidades, a fim de receber os bidões de Combustível fornecidos pelos “nossos primos”, que era o sangue das nossas viaturas.
Em regime de quadrícula estava colocado um Pelotão próximo ao denominado Bico da Luiana (Faixa do Caprivi), do Quartel de Sá da Bandeira,  cuja situação era um pouco bizarra: administrativamente eles dependiam da sua Unidade (Sá da Bandeira), operacionalmente estavam sob a alçada da nossa Companhia e disciplinarmente sob a responsabilidade do Comando de Setor. O Relatório Diário de Ocorrências, designado militarmente por Sitrep (sigla OTAN, em inglês, designativa de Situation Report) era remetido para nós via rádio.
Através de um Cessna carcamanho, éramos abastecidos, duas vezes por semana, de hortaliça mais ou menos fresca e o sempre ambicionado CORREIO, nosso elo de ligação daqueles Cus de Judas ao mundo civilizado. Conheces o Os Cus de Judas, de Lobo Antunes? Ele esteve também nas Terras-do-Fim-do-Mundo, como médico, em N’Riquinha, junto à fronteira com a Zâmbia (ex-Rodésia do Norte), e escreveu esse livro em alusão a estas paragens.
Inicialmente o Cessna aterrava na que começou posteriormente a ser chamada Pista Velha, isto é, uma pequena abertura de terreno razoavelmente duro onde o avião avançava aos solavancos. Como os pilotos, que se revezavam sucessivamente, só falavam inglês, foi-me atribuída, pelo Capitão Santana, a tarefa de com eles me articular, uma vez que dominava esse idioma. Quando ouvíamos o roncar do avião ao longe, de imediato reunia o pessoal, que prontamente se disponibilizava voluntariamente para fazer a necessária segurança, até pela ânsia do bendito Correio a chegar. O “pássaro” dava uma volta sobre o Aquartelamento, em voo rasante, como sinal, mas o dispositivo adequado estava já devidamente montado na pista. Numa das vezes, chegados nós ao ponto de aterragem, o Cessna já se encontrava imobilizado no chão. Alertei o piloto que era arriscado e temerário da sua parte. Nunca se sabia onde o IN espreitava e poderia tirar partido dessa ousadia imprudente. Agradeceu o aviso. Imagine-se o seu aprisionamento pelo IN, fardado com camuflado sul-africano, e as repercussões internacionais que isso acarretaria, pois o Inimigo não deixaria de explorar esse trunfo de evidência da presença de forças estrangeiras em território angolano, que Portugal sempre negava, para além da destruição do avião, que obviamente levaria com uma bazucada em cima, pois não teriam tempo de o desfazer com explosivos, até porque os reservariam para as minas.
Entretanto chegou o pessoal civil da Tecnil (empresa de construções angolana), chefiado pelo amigo Júlio das “amargosas” – nome como ele designava as cervejas (Cuca e Nocal). E deu-se início à construção da nova pista para aviões de pequeno e médio porte, construída exatamente no enfiamento do ponto alto do Aquartelamento, do lado oposto à chana, razão por que foi desmatada uma área razoável que nos permitiu uma visão de defesa mais consistente. Era precisamente em cada um dos extremos da linha de separação que tínhamos montadas as Bredas (metralhadoras pesadas).
Com exceção de duas operações na zona de Mavinga feitas pela nossa gente, onde houve recontros diretos com o IN, e duma outra helitransportada nas imediações da Coutada, e de ainda várias na área periférica alargada do Aquartelamento mas efetivadas pelos Flechas (bosquímanos, totais conhecedores deste terreno e exímios na arte de pisteiros) que se encontravam sob a alçada da PIDE/DGS, as ações praticadas pela Companhia eram de mero patrulhamento rotineiro, ora nas deslocações ao Dirico para reabastecimento de Combustível ora nas surtidas à caça para satisfação alimentar. Naquelas paragens havia todo o tipo de animais, a maioria de grande porte, jamais vistos por mim fora dum jardim-zoológico: elefantes, girafas, hipopótamos, leões, leopardos, hienas, chitas, jacarés, avestruzes, rinocerontes, búfalos em manadas de centenas de unidades, gazelas, palancas, gnus (boi-cavalo), javalis, cabras-de-mato, coelhos, enfim, todo um manancial de bicharada que era um regalo de encher o olho, naquela imensidão de chanas. Chatos eram os mabecos (cães de mato) que, em matilha, se atiravam contra os Unimogues na esperança de abocanhar a perna de um incauto. Era fácil resolver o problema: abatia-se um e todos os restantes, com o cheiro do sangue, devoravam-no em segundos. Certa vez, o Jorge, loirinho de Matosinhos, numa das deslocações ao Dirico, desceu da viatura para tentar abater uma peça de caça que estava perto da picada e, de repente, aparece-lhe um leão. O condutor, sem se ter apercebido da presença do bicharoco, acelerou para outra posição no terreno e então vê-se o Jorge a correr atrás do Unimogue aos berros de “pára, pára!”. E o leão a apreciar a cena … deve-se ter fartado de rir à sua maneira!

Cessna,  já na Pista Nova
           
 Hélis alinhados junto ao arame
       
Nas operações circundantes, os Helicópteros Alouette III dos “nossos primos” ficavam alinhados na nova pista. Nos intervalos operacionais, aproveitávamos para realizar jogos de futebol, em campo improvisado junto ao arame. Eu próprio entrei nessas competições. Posso dizer, portanto, dum modo jocoso, que já competi em jogos de futebol internacionais. O nosso Guarda-Redes, o Freitas, tinha sido jogador do Sandim nessa função, portanto, a coisa era perfeita. No fim acabava tudo na cerveja, ganhasse quem ganhasse.
 
Jogo  internacional de “seleções militares”
Aquela zona era de atuação do MPLA, mas a sua função era única e simplesmente fornecer apoio logístico e operacional à SWAPO, facilitando a sua passagem para o Sudoeste Africano, razão por que os seus guerrilheiros (ditos “turras”) furtavam-se ao contacto connosco, mas nunca deixaram de tentar controlar os nossos movimentos, como posteriormente se veio a constatar aquando da chegada dos maçaricos que nos vieram render.

Carlos Jorge Mota

VIII - RAZÕES DUMA GRANDE VIAGEM

Decorridos mais de 40 anos, fui sabedor agora das razões da ida da Companhia de Caçadores 2506 (a minha Companhia) para as Terras-do-Fim-do-Mundo. A distância, em linha reta, entre a Coutada de Mucusso e a fronteira do Distrito de Tete, em Moçambique, é mais curta que entre a Coutada e Luanda, capital de Angola, o que permite avaliar quão longe nos encontrávamos do nosso Batalhão.
Os hoje Coronéis, na situação de Reforma, Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, escreveram, há poucos meses, um livro intitulado ALCORA, que eu li e detenho, onde descrevem pormenorizadamente os termos do Acordo Secreto Militar então celebrado entre Portugal, a então racista RAS (República da África do Sul) e a então Rodésia do Sul, colónia britânica, autoproclamada independente como República da Rodésia – atual Zimbabwe - cujo Primeiro-Ministro, conservador, branco e racista, era Ian Smith, Acordo esse cuja existência nunca foi assumida por Portugal, pelo contrário, sempre foi negada, face à situação anómala da anunciada “independência” da Rodésia, não reconhecida pela comunidade mundial, por um lado, e, por outro, pelo isolamento internacional da RAS, decorrente da sua abominável política de Apartheid. Pela dita rebeldia, a Inglaterra procedeu de imediato a um bloqueio naval às imediações daquele território, tentando impedir o tráfego de comercialização e abastecimento, principalmente petróleo. Óbvio que, dum modo subtil, como agora é sabido, a RAS, quer diretamente quer em conjugação com as então autoridades coloniais moçambicanas, procuravam atenuar as respetivas consequências com utilização de meios ferroviários, alguns deles construídos especificamente para isso, em território moçambicano, mas que, objetivamente,  ajudavam ao desenvolvimento da Província, financiados pela República da África do Sul.



Conforme é público hoje através da divulgação do ALCORA, essa Rodésia estava autorizada a patrulhar, dentro duma área de fronteira predeterminada, parte do Distrito de Tete, com meios aéreos, no princípio, e também terrestres, posteriormente, tendo a FRELIMO reivindicado o abate de alguns helicópteros, aviões de reconhecimento, e até militares de infantaria, todos rodesianos, como está atualmente documentado; a RAS, através da sua Base Aérea fronteiriça do Rundu (na atual Namíbia), fornecia o mesmo tipo de apoio – mas sem tropas no terreno - no Distrito do Kuando-Kubango, razão pela qual tinha oficiais de ligação residentes no Cuito Cuanavale. A sua área de ação ia até ao paralelo desta localidade, no início, alargando-se posteriormente mais a norte. Essa “ajuda” consubstanciava-se em meios aéreos – Dakotas, Cessnas e Helicópteros Alouette III, sempre descaracterizados e desarmados –, para apoio logístico e também para transporte de tropas, sendo que, neste último caso, obrigatoriamente acompanhados dum Heli-Canhão português, e igualmente no fornecimento de material de guerra diversificado – parte dele a título de empréstimo e outro vendido -, desde armamento  (principalmente o pesado), munições, peças sobressalentes de todo o tipo, mormente para Helicópteros e Blindados Panhard, de viaturas, material de transmissões, à mais diversa gama de que Portugal então necessitava, de harmonia com o conteúdo da citada obra dos coronéis referenciados. Inclusive foram feitos empréstimos monetários ao nosso país no valor de milhões de Rands, parte do qual pago com o petróleo que Angola já extraía.
A zona de fronteira em Moçambique (Distrito de Tete) era uma área de infiltração de Tropas de Guerrilha da ZANU (sigla em inglês de União Nacional Africana do Zimbabwe), apoiada pela China, e da ZAPU (Zimbabwe African People’s Union), esta apoiado pela então União Soviética, movimentos que se guerreavam entre si, mas que tinham o objetivo comum de banir o poder branco autoinstalado e lutar pela independência em relação ao Reino Unido.
A fronteira sul de Angola, principalmente a denominada Faixa do Caprivi, era a zona de passagem dos guerrilheiros da SWAPO (South West Africa People’s Organization) - cujo apoio logístico naquela área lhes era ministrado pelo MPLA - que lutavam pela expulsão dos sul-africanos da sua terra namibiana, denominada ainda então oficialmente por Sudoeste Africano.
A República da África do Sul, ao abrigo desse Acordo, exigiu de Portugal o reforço, nessa zona-tampão, de mais um Batalhão, razão por que a minha Companhia foi render, ao tempo, um Grupo de Combate (Pelotão), possivelmente com deslocação posterior de mais Companhias que completassem os efetivos pretendidos, situação que desconheço se aconteceu ou não porque entretanto acabamos a Comissão e o livro citado é omisso nessa matéria.
Percebi mais concretamente só agora o porquê do meu batismo de voo ter sido feito num avião militar dos “nossos primos”, designação eufemística aplicada aos sul-africanos nesta aliança, mas também apelidados por nós de carcamanhos.

Carlos Jorge Mota

VII - AS TERRAS-DO-FIM-DO-MUNDO São Terras de Portugal – cantava o Quarteto 1111


Depois de cerca de 3 meses de Serviço à Rede de Luanda, a Companhia de Caçadores 2506 recebeu guia de marcha, separando-se do seu Batalhão, para ir reforçar o dispositivo do Batalhão de Cavalaria 2870, instalado no Kuando-Kubango, Distrito ainda hoje designado por Terras-do-Fim-do-Mundo.

Onde estou e para onde vou
Como o Capitão Santana se encontrava doente, fomos comandados pelo Capitão Pires, da CCS (Companhia de Comando e Serviços), e acompanhados pelo Comandante Tenente-Coronel Soares, este último regressado logo de imediato a Luanda para junto do seu e nosso Batalhão. O Capitão Pires voltou mais tarde para a sua CCS logo que foi substituído pelo já restabelecido Capitão António Filipe Reis Santana.
O Batalhão de Cavalaria 2870 tinha a CCS e uma Companhia Operacional sediadas em Serpa Pinto (atual cidade de Menongue, designação, já nessa altura, da Rádio local), uma Companhia no Cuito Cuanavale - que enviava um Destacamento para o Lupire (onde morreu o meu grande amigo e camarada Sarreira, carinhosamente por nós designado por Sarreirita  - noutro artigo abordarei peripécias com este saudoso amigo e a forma como ele faleceu) -   e a outra Companhia estava aquartelada em N’Riquinha, junto à fronteira com a Zâmbia, e enviava um Destacamento para a Coutada de Mucusso – nosso destino de agora -, ponto relativamente próximo à fronteira com a Namíbia, então designada por Sudoeste Africano, território formalmente administrado, por mandato da ONU, pela República da África do Sul (RAS), mas efetivamente considerado por esta como território seu.
Chegados a Serpa Pinto, completamente exaustos duma longuíssima viagem de alguns dias, e feitos os preparativos para o destino final, sofro o meu batismo de voo, pois sou metido num Avião Dakota sul-africano, com mais 18 camaradas, viajando de pé, arma e bornal às costas, com destino à fronteira sul para recebermos 6 viaturas Bedford provindas da RAS. Sobrevoada a Base Sul-Africana do Rundu (palavra que normalmente era pronunciada “Runtu”) a baixa altitude, o piloto recebe a informação que as viaturas já se encontravam do lado de Angola e fomos então aterrar numa pista curta e de areia grossa, mas consistente, na localidade do Calai, junto ao Rio Kubango e perto do Rio Cuito. Recebemos as viaturas e ficamos a aguardar a coluna formada pelo resto da Companhia que partira entretanto de Serpa Pinto.

                  No trajeto: o Autor e o Adário                               
     
Em Artur de Paiva
Todos juntos de novo, lá vamos a passo de caracol para a Coutada de Mucusso, pois essa zona já se integra no Deserto do Calaari, o terreno é arenoso e as viaturas não conseguem exceder os 30 Kms/hora. Acresce que para atravessar o Rio Cuito, não havendo ponte, a única solução era utilizar uma jangada flutuante cujo tempo de travessia é de cerca de 20 minutos para cada lado, com cabos de aço puxados à mão, e cuja capacidade de carga era de uma única viatura, e descarregada. Imagina-se, portanto, o tempo necessário para a passagem de todo o pessoal duma Companhia, com o manancial dos seus materiais militares.
                            Jangada no Rio Cuito

Higiene matinal no Rio Cuito 
Chegados à Coutada, rendemos então um Grupo de Combate, comandado por aquele que é hoje o meu amigo e colega de profissão, à altura Alferes Miliciano Esteves, com quem me interligo diariamente via Internet.
Recordo-me do Paixão, Furriel Miliciano desse Pelotão, estar permanentemente a dizer “eh pá, nós somos de Cavalaria! Nós somos de Cavalaria”, brincando connosco por sermos os chamados “caçanhos” – de Caçadores. Um belo dia, estando nós ainda em sobreposição com eles, o Glória acorda o Paixão às 3 horas da madrugada. E o Paixão, estremunhado, pergunta: “que foi? que foi?” O Glória responde prontamente: “Oh pá, está na hora de ires dar de comer ao cavalo!

 Areia do Deserto do Calaari

 Aquartelamento: Tendas-Cónicas já montadas

Estudadas as melhores posições e respetivo armamento pesado para ser mantida a necessária segurança, e uma vez completada esta, foram montadas as tradicionais tendas-cónicas para os Cabos e o Zé-Soldado, feita a distribuição dos Graduados pelos poucos Quartos existentes, em madeira assente em estacaria (lembrar que os aposentos eram de uma Coutada de Caça Grossa), instalou-se o Parque das Viaturas e respetivas Oficinas, a Arrecadação de Combustível, de Material de Guerra, o Armazém de Géneros, o Serviço de Enfermagem, de Transmissões – separando, por razões óbvias, o Serviço Cripto -, Secretaria, Paiol, enfim, tudo que uma Guarnição Militar ao nível de subunidade carece. Para Messe foi utilizada uma pequena casinha redonda, no centro do aquartelamento, também de madeira, já existente.
Quartos  
Messe: Cap. Santana e sua simpatia, servindo
              bebiba a seus comandados graduados

Cortaram-se árvores a moto-serra (com motor a gasolina) com cujo material tudo que não existia se construiu de raiz, incluindo espaldões para defesa, distribuídos de modo estratégico, dentro do circuito de arame-farpado entretanto reforçado ao já existente que se encontrava de forma rudimentar e pouco robusta. Com tijolos feitos no local concebeu-se um resguardo para um Filtro de Água Potável. E até um forno para fazer pão apareceu rapidamente, fruto de mãos habilidosas de gente habituada ao ofício. Instalações Sanitárias do nada surgiram, e inclusive chuveiros se improvisaram. Entretanto fomos abastecidos de um Gerador e, já mais tarde, de Frigoríficos a Petróleo, que muita falta fizeram no início, pois sendo abundante a caça e o único meio de subsistência para compor a ementa, além do tradicional bacalhau embalado em latões de alumínio – que encarecia substancialmente o custo orçamentável -, da dobrada desidratada, contida em latas grandes, e das conservas tipicamente portuguesas, não fosse a utilização massiva e contínua dessa carne muita dela se teria estragado pela sua deterioração rápida, face à amplitude térmica elevada nessa região. De dia a temperatura atingia os 45º e à noite descia para os 5º, tipicamente clima desértico. Foi o local onde senti mais calor e mais frio, no mesmo dia, em toda a minha vida.

Espaldão para abrigo
Visão do lado da chana


                                                                                        (Fotografia cedida pelo Luís Frade em 2014.05.10)
Abertura de vala para colocação dos bidões de JP1 (Gasolina para Helicópteros)


(Fotografia cedida pelo Luís Frade em 2014.05.10)


                                                               Luís Frade executando tarefas de serralharia

Carlos Jorge Mota                                                                     


sábado, 29 de março de 2014

VI - EM LUANDA. ATÉ QUANDO?

Luanda estava cercada por uma Rede de Arame Farpado, interrompida, apenas, nas três estradas que dela irrompiam: Estrada do Cacuaco (rumo ao Distrito do Zaire ou Congo e também ao Distrito de Uíge, na sua parte noroeste), Estrada de Catete (para o planalto central e para toda a restante zona angolana, tomando as respetivas vias nos locais apropriados com as suas várias derivações) e a Estrada da Barra do Quanza, rio junto do qual terminava, pois, na altura, ainda não existia a atual ponte que permite agora todo o tráfego para sul, nomeadamente o da zona costeira. Pouquíssimas pessoas civis saberiam da existência dessa Rede, dado que não era visível das estradas -  o mato a encobria. Ela, sob o ponto de vista militar, tinha a dupla função de impossibilitar a penetração na cidade de indocumentados – nos postos colocados na via, por vezes, e duma forma aleatória, as viaturas eram mandadas parar para efeito de controlo – e também de dissuadir eventuais ações de guerrilha urbana dado que a subsequente retirada para o Mato se tornaria muitíssimo dificultosa. Para nós, recém-chegados, ainda branquinhos, era uma tarefa sem risco, apenas cansativa pois o serviço era feito 24 horas ininterruptas, com alternância das Companhias do Batalhão nesta missão e na de patrulhamento. O perímetro de arame-farpado continha Postos de Vigia e uma picada por onde se deslocavam as viaturas, quer para transporte do pessoal quer para ronda. Logo no primeiro mês, uma Berliet que se deslocava para o posto na Estrada da Barra do Quanza, ao contornar uma rotunda, o seu condutor descontrolou-se e houve pessoal cuspido, do que resultaram vários feridos alguns dos quais bastante graves e cuja evacuação para Lisboa houve necessidade de fazer e que não regressaram mais.
Luanda, portanto, sempre à vista. Finda a ação rotineira diária no Campo do Grafanil, com exceção dos dias de Serviço à Companhia, apanhávamos a Camioneta Militar para o centro da cidade e eu dirigia-me de imediato para a casa do “Tio Tono” com cuja família, aos fins-de-semana, acompanhado do sobrinho meu amigo e camarada Fontes, íamos amiúde fazer uns piqueniques para matagais próximos à praia.
                            
 Piquenique
Helena, Zé António e Manel, da família Vasconcelos
                                                                          
 Como, durante a minha infância, a família Vasconcelos, com cujos filhos Zé António e Manel eu brincava – curioso que esta família morava na casa que foi posteriormente ocupada pela família da que viria a ser minha namorada e mulher –, foi para Angola, eu tive o cuidado de ir munido do seu endereço em Luanda. Moravam na Rua António Enes, nas Barrocas, para os lados de Miramar. Fui procurá-los e voltámos a reencontrar-nos passados tantos anos. Foi emocionante, pena que fosse naquelas circunstâncias, mas houve oportunidade para alguns convívios.
Entretanto, no mês de junho, veio para Luanda, em férias, e encontrava-se a meio da sua Comissão, o meu amigo e irmão dum meu cunhado, Zé Albertino. Como eu tinha levado um Gravador Telefunken, grande, mas portátil, tinha uma pega, resolvemos encontrar-nos na pensão onde ele se hospedou, junto ao Largo de Serpa Pinto. Fizemos uma gravação de mensagem, a dele separada da minha, e eu enviei a bobine para as nossas famílias que, posteriormente, gravaram também as suas e ma devolveram. Hoje, passados mais de 40 anos, e o Zé Albertino já não está entre nós, consegui transformar essas gravações, separando as duas, e digitalizá-las. Entreguei uma cópia em CD aos seus dois filhos e ao meu cunhado, seu irmão. Para os da minha família, entreguei cópia a cada uma das minhas irmãs e aos dois filhos do meu falecido irmão. É emocionante ouvir hoje aquelas vozes, num total de cerca de 20 pessoas, metade das quais já faleceram. Fica a recordação.

E a rotina diária era quotidianamente retomada. Parecia até que não tinha ido para a Guerra. Mas, eis que chega a notícia do fim desta etapa. E nova aventura irá ser iniciada …

Carlos Jorge Mota

V - A NOVA REALIDADE, FINALMENTE

Diversas viaturas militares da Companhia de Transportes estacionadas no cais e nas suas imediações. Subida para elas dum modo receoso ainda, muitos pretos por perto e aparentemente todos iguais – sensação generalizada mas rapidamente considerada absurda -, passagem pela baixa da cidade rumo ao Campo Militar do Grafanil, na Estrada de Catete, em cuja entrada, à laia de aviso “à navegação”, se encontrava em destaque, e deliberadamente muito bem visível em cima de um palanque em cimento, um Jeep acidentado, todo amassado, fruto de choque frontal e capotagem. Fomos colocados provisoriamente em bancadas de cimento-armado, com dormida no chão duro, sem qualquer resguardo. Era o modo usual para tropas em transição do navio para o Mato e vice-versa. A bagagem de porão, muito pouca, chegaria umas horas depois e colocada dum modo amontoado perto de nós. O meu amigo Fontes queria que eu fosse dormir a casa do seu tio, onde ele já vivia dum modo “civilizado” (era militar, como eu), mas receei que pudesse haver problemas, até porque teria que enquadrar o pessoal.
                            
 Campo Militar do Grafanil

Na noite imediata, e já devida e superiormente autorizado, tive o privilégio de me aboletar em casa do “Tio” Tono, na Avenida Brasil, próximo da Vila Alice – homem generoso e muito prestimoso, a quem muito fiquei a dever na vida, recentemente falecido em Celorico de Basto. Não soube atempadamente da sua morte razão por que não estive presente no seu funeral, o que muito lastimo. Com exceção de quando se encontravam de serviço à Unidade, os Graduados tinham permissão de pernoitar fora do Quartel do Grafanil, havendo uma viatura que fazia a recolha domiciliária diariamente logo pela manhã cedo, até porque as instalações, mesmo após a mudança para as outras definitivas, decorrente das tarefas de que iríamos ficar incumbidos, continuavam a ser precárias

                                    Apresentação do Batalhão, pelo seu Comandante, ao General-Comandante da Região Militar de Angola

E a missão vai começar.


Carlos Jorge Mota

                                         



   

IV - UÍGE, NOSSO HOTEL FLUTUANTE DURANTE 13 DIAS

Uma vez embarcados tivemos logo que considerar a nova hora pois o relógio de bordo regula-se pelo tempo do fuso-horário em que o navio está posicionado, que não era coincidente com a nossa Hora de Verão. Dentro eram 11 horas, no cais era meio-dia. E isso é importante em virtude do Almoço cuja primeira mesa estava marcada para o meio-dia (hora de bordo) e a segunda para a uma da tarde – duas fases de refeições, situação normal mesmo em viagem civil, pela dimensão dos Restaurantes … só destinados a Graduados porque o Zé-Soldado, esse, será sempre o eterno sacrificado. Face ao elevado número de Praças as suas refeições eram distribuídas em marmita.
O navio começa a descer lentamente o Tejo, passa sob a Ponte, então Salazar, e pára junto ao Bugio para saída do Piloto da Barra. A Lancha dá um apito, tradição naval de desejo de Boa-Viagem a que o Uíge responde com dois estridentes roncos, à laia de agradecimento. E … lá vamos nós, afastando-nos da costa, até que surge só céu e água. Procuramos distrair-nos, das mais diversas formas: uns, bebendo, bebendo, bebendo, bebendo; outros, jogando cartas, dominó ou xadrez; outros, segurando uma revista ou um livro, mas nada lendo; outros ainda, tentando entabular conversa, divagando apenas … e … navegando, navegando, Atlântico abaixo. Vida rotineira a bordo, mas com um interesse diário de saber a posição do navio, através de bandeirinhas colocadas sobre um mapa, e preocupação de saber a hora respetiva para controlo das refeições. Passámos ao largo da Madeira, das Canárias, de Cabo Verde. Entretanto, são dadas instruções pelo Comandante de Bandeira, Oficial da nossa Armada, para exercícios de marcação de baleeiras e colocação dos Coletes de Salvação, para eventual emergência. Alguma confusão da primeira vez, mas à segunda saiu tudo direitinho.
                            
O Autor, o Sérgio, o Rodrigues e o Antunes
Navegando ao largo da Guiné, aí durante uns dois dias, sentia-se um ar irrespirável, pelo elevadíssimo grau de Humidade Relativa. Um calor infernal e o corpo suando dum modo que ficava pegajoso. Ao entrarmos no Golfo da Guiné começamos a ouvir, em onda média, emissores de Rádios do Brasil, talvez da Paraíba ou Pernambuco. No 9º dia de viagem, o navio parou durante umas 4 a 5 horas. O que foi? O que sucedeu? Pergunta generalizada. Houve um problema nos motores, entretanto resolvido. No dia seguinte, o 2º Comandante do Batalhão, Major Nuno Alexandre Lousada, detentor do Curso de Estado-Maior, já com várias Comissões cumpridas, uma das quais na Índia (foi um dos signatários dos Acordos de Lusaca com a Frelimo, em nome do MFA, para o cessar-fogo e a posterior Independência de Moçambique), homem culto, afável e muito educado, reúne os Graduados no convés e diz-nos: “Meus senhores: estamos prestes a chegar ao destino. Não sabemos ainda onde nos colocarão. Todavia, iremos passar por situações muito complicadas, onde quer que nos encontremos. Um Comandante, seja qual for o seu nível de comando, mesmo que esteja a borrar-se de medo, não pode de forma alguma transparecê-lo para os seus homens. Tem que aguentar firme o momento e ter a necessária adrenalina para o suster. De contrário, não será um Comandante, mas um simples elemento fardado com algo em cima dos ombros. Já passei por essas situações de medo e sei do que falo”. Sabíamos que íamos para a Guerra, mas aí começamos a tomar mais consciência que a hora se aproximava. Passámos ao largo de São Tomé e ao 13º dia, 21 de maio de 1969, já de noite, o Uíge atraca no Porto de Luanda, onde tinha à minha espera, no cais, fardado, o meu amigo de infância Francisco Fontes. Quem passou por Angola, integrado em Batalhão ou Companhia Independente, entre 1968 e 1970, com toda a certeza que o conhece, talvez tenha até falado com ele, pois estava colocado no Posto do S.P.M. (Serviço Postal Militar) no Campo Militar do Grafanil, por onde transitavam todas as tropas antes de tomarem o seu destino, e primeiro ponto de deslocação de todo o militar a fim de depositar mais rapidamente a sua primeira Carta, ou Aerograma, para a família, namorada ou amigos, na Metrópole.
Efervescência a bordo, na ânsia de sabermos qual o local de Angola onde seríamos colocados de imediato. Chega a notícia, não sei por que via: Serviço à Rede de Luanda e também de Reserva às ordens do QG (Quartel-General).

Nota: Quando um navio mercante é fretado para transporte de tropas, obrigatoriamente terá a bordo um Oficial da Marinha de Guerra com a função de Comandante de Bandeira sob cujas ordens o efetivo Comandante do Navio se encontra.
                                       

Carlos Jorge Mota

sexta-feira, 28 de março de 2014

III - DESPEDIDA DE SANTA MARGARIDA

Dia 7 de maio, véspera da data do embarque, todo o Batalhão, com as suas quatro Companhias, é colocado em Parada junto à Capela do Campo Militar.
                                       
  Capela
Aí, após a tradicional missa campal celebrada pelo Capelão Militar integrado na CCS (Companhia de Comando e Serviços), o Comandante de Batalhão, então Tenente-Coronel, António de Almeida Gonçalves Soares, faz a seguinte alocução (o rascunho do discurso tem data anterior, data essa em que terá sido elaborado):

(Documento que me foi por ele remetido pelo Correio em 2011, bem como outros - um dos quais abordarei em momento mais adequado -, na sequência duma conversa havida entre nós durante uma Confraternização de Graduados naquele ano, que começou pela minha curiosidade de querer saber as razões da Divisa do Batalhão. Exibo sua carta de outubro de 2011. Fui por ele autorizado, em telefonema que lhe efetuei há uns dias atrás, a publicar estes elementos)  




                                              Alocução cujo conteúdo só é entendível se contextualizado na época



Nesse dia, à noitinha, embarcámos em Comboio Especial na Estação de Santa Margarida, Ramal do Tramagal que liga à Linha da Beira Baixa, em viagem noturna, com destino à Estação de Alcântara-Mar, passando pelo Entroncamento, Braço de Prata e Campolide, descendo depois para o Rio Tejo, com paragem prévia em Alcântara-Terra, para controlo do trânsito viário, pois a linha atravessa a Rua nessa zona e entra no Cais. Daí, saímos e fomos em coluna apeada até ao navio Uíge, que nos aguardava no Cais da Rocha do Conde de Óbidos.

Uíge



Abraços, despedidas emocionadas. Eu não quis lá ninguém da família, mas apareceu o meu cunhado Amorim (já falecido) que residia com minha irmã em casa dos meus pais. A Banda do Exército toca marchas militares, não só por exaltação do momento mas também para abafar os gritos de desespero das pessoas no cais. Muita confusão no seio dos civis, a atropelarem-se uns aos outros na ânsia de tocar pela última vez no seu ente querido.



Carlos Jorge Mota

    
                                                       

II - JUNÇÃO AO BATALHÃO

Em meados de março recebo Guia de Marcha para a minha Unidade Mobilizadora – Regimento de Infantaria 2, em Abrantes. Apresento-me ao Oficial-de-Dia, que me encaminha para a Secretaria. Recebo de imediato Nova Guia de Marcha para me apresentar no dia seguinte no CIM (Campo de Instrução Militar) de Santa Margarida, próximo do Tramagal – localidade onde eram montadas as Berliets militares – para me reunir à minha nova família militar: Companhia de Caçadores 2506 do Batalhão de Caçadores 2872, cujo lema é CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA. Apresento-me ao Capitão Santana, que me ordena para me dirigir à Secretaria da Companhia, onde vou encontrar o que viria a ser um grande amigo, lº Sargento Vilares, que atingiu a patente de Capitão, provindo de Soldado, tal a sua capacidade intrínseca, demonstrada pelos livros que já publicou, quer em prosa quer, e principalmente, em verso poético, de caráter genérico e épico. Sou apresentado também a todos os restantes Graduados e às Praças cujas caras e nomes me iriam ser tão familiares durante quase 26 meses.

CIM de Santa Margarida

Macedo,  Cardoso-2505, Mineiro,  Autor,  Glória e João Silva   
 Nova situação, nova vida. Necessários ajustamentos. Santa Margarida, para além de outros poucos locais no país, era o Campo Militar por excelência onde se fazia o denominado I.A.O. – Instrução e Aperfeiçoamento Operacional –, atendendo às caraterísticas do terreno, que era (é) propício à criação duma ambiência similar ao teatro de operações que iríamos enfrentar em África. Seis semanas consecutivas de treino intensivo, intervaladas apenas com alguns fins-de-semana, que eram aproveitados para descanso e visita à família e namorada. Rotina desgastante. Mas eis que chega a informação da data do embarque: 8 de maio, no navio Uíge. Tensão aumentando gradualmente, face à despedida inevitável. A minha namorada é informada e todos os meus familiares também, com exceção do meu pai. No último fim-de-semana regresso a Santa Margarida, despedindo-me dele com um beijo, aparentemente normal, e um “até sábado!”. Foram muito difíceis aqueles momentos, para todos nós que sabíamos. Mas … tinha que ser.
Apanho o comboio em Campanhã, passo a velhinha Ponte D. Maria, olho para a minha linda cidade, que vista de Vila Nova de Gaia ainda é mais encantadora, e questiono-me: “será que vou voltar a ver o Porto?”. Muita tropa no comboio, de regresso aos quartéis, como era normal naquela época, no fim do fim-de-semana. Porém, talvez só eu me encontrasse naquela situação especial … que tinha que controlar.
                                                
Carlos Jorge Mota