INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

segunda-feira, 31 de março de 2014

VII - AS TERRAS-DO-FIM-DO-MUNDO São Terras de Portugal – cantava o Quarteto 1111


Depois de cerca de 3 meses de Serviço à Rede de Luanda, a Companhia de Caçadores 2506 recebeu guia de marcha, separando-se do seu Batalhão, para ir reforçar o dispositivo do Batalhão de Cavalaria 2870, instalado no Kuando-Kubango, Distrito ainda hoje designado por Terras-do-Fim-do-Mundo.

Onde estou e para onde vou
Como o Capitão Santana se encontrava doente, fomos comandados pelo Capitão Pires, da CCS (Companhia de Comando e Serviços), e acompanhados pelo Comandante Tenente-Coronel Soares, este último regressado logo de imediato a Luanda para junto do seu e nosso Batalhão. O Capitão Pires voltou mais tarde para a sua CCS logo que foi substituído pelo já restabelecido Capitão António Filipe Reis Santana.
O Batalhão de Cavalaria 2870 tinha a CCS e uma Companhia Operacional sediadas em Serpa Pinto (atual cidade de Menongue, designação, já nessa altura, da Rádio local), uma Companhia no Cuito Cuanavale - que enviava um Destacamento para o Lupire (onde morreu o meu grande amigo e camarada Sarreira, carinhosamente por nós designado por Sarreirita  - noutro artigo abordarei peripécias com este saudoso amigo e a forma como ele faleceu) -   e a outra Companhia estava aquartelada em N’Riquinha, junto à fronteira com a Zâmbia, e enviava um Destacamento para a Coutada de Mucusso – nosso destino de agora -, ponto relativamente próximo à fronteira com a Namíbia, então designada por Sudoeste Africano, território formalmente administrado, por mandato da ONU, pela República da África do Sul (RAS), mas efetivamente considerado por esta como território seu.
Chegados a Serpa Pinto, completamente exaustos duma longuíssima viagem de alguns dias, e feitos os preparativos para o destino final, sofro o meu batismo de voo, pois sou metido num Avião Dakota sul-africano, com mais 18 camaradas, viajando de pé, arma e bornal às costas, com destino à fronteira sul para recebermos 6 viaturas Bedford provindas da RAS. Sobrevoada a Base Sul-Africana do Rundu (palavra que normalmente era pronunciada “Runtu”) a baixa altitude, o piloto recebe a informação que as viaturas já se encontravam do lado de Angola e fomos então aterrar numa pista curta e de areia grossa, mas consistente, na localidade do Calai, junto ao Rio Kubango e perto do Rio Cuito. Recebemos as viaturas e ficamos a aguardar a coluna formada pelo resto da Companhia que partira entretanto de Serpa Pinto.

                  No trajeto: o Autor e o Adário                               
     
Em Artur de Paiva
Todos juntos de novo, lá vamos a passo de caracol para a Coutada de Mucusso, pois essa zona já se integra no Deserto do Calaari, o terreno é arenoso e as viaturas não conseguem exceder os 30 Kms/hora. Acresce que para atravessar o Rio Cuito, não havendo ponte, a única solução era utilizar uma jangada flutuante cujo tempo de travessia é de cerca de 20 minutos para cada lado, com cabos de aço puxados à mão, e cuja capacidade de carga era de uma única viatura, e descarregada. Imagina-se, portanto, o tempo necessário para a passagem de todo o pessoal duma Companhia, com o manancial dos seus materiais militares.
                            Jangada no Rio Cuito

Higiene matinal no Rio Cuito 
Chegados à Coutada, rendemos então um Grupo de Combate, comandado por aquele que é hoje o meu amigo e colega de profissão, à altura Alferes Miliciano Esteves, com quem me interligo diariamente via Internet.
Recordo-me do Paixão, Furriel Miliciano desse Pelotão, estar permanentemente a dizer “eh pá, nós somos de Cavalaria! Nós somos de Cavalaria”, brincando connosco por sermos os chamados “caçanhos” – de Caçadores. Um belo dia, estando nós ainda em sobreposição com eles, o Glória acorda o Paixão às 3 horas da madrugada. E o Paixão, estremunhado, pergunta: “que foi? que foi?” O Glória responde prontamente: “Oh pá, está na hora de ires dar de comer ao cavalo!

 Areia do Deserto do Calaari

 Aquartelamento: Tendas-Cónicas já montadas

Estudadas as melhores posições e respetivo armamento pesado para ser mantida a necessária segurança, e uma vez completada esta, foram montadas as tradicionais tendas-cónicas para os Cabos e o Zé-Soldado, feita a distribuição dos Graduados pelos poucos Quartos existentes, em madeira assente em estacaria (lembrar que os aposentos eram de uma Coutada de Caça Grossa), instalou-se o Parque das Viaturas e respetivas Oficinas, a Arrecadação de Combustível, de Material de Guerra, o Armazém de Géneros, o Serviço de Enfermagem, de Transmissões – separando, por razões óbvias, o Serviço Cripto -, Secretaria, Paiol, enfim, tudo que uma Guarnição Militar ao nível de subunidade carece. Para Messe foi utilizada uma pequena casinha redonda, no centro do aquartelamento, também de madeira, já existente.
Quartos  
Messe: Cap. Santana e sua simpatia, servindo
              bebiba a seus comandados graduados

Cortaram-se árvores a moto-serra (com motor a gasolina) com cujo material tudo que não existia se construiu de raiz, incluindo espaldões para defesa, distribuídos de modo estratégico, dentro do circuito de arame-farpado entretanto reforçado ao já existente que se encontrava de forma rudimentar e pouco robusta. Com tijolos feitos no local concebeu-se um resguardo para um Filtro de Água Potável. E até um forno para fazer pão apareceu rapidamente, fruto de mãos habilidosas de gente habituada ao ofício. Instalações Sanitárias do nada surgiram, e inclusive chuveiros se improvisaram. Entretanto fomos abastecidos de um Gerador e, já mais tarde, de Frigoríficos a Petróleo, que muita falta fizeram no início, pois sendo abundante a caça e o único meio de subsistência para compor a ementa, além do tradicional bacalhau embalado em latões de alumínio – que encarecia substancialmente o custo orçamentável -, da dobrada desidratada, contida em latas grandes, e das conservas tipicamente portuguesas, não fosse a utilização massiva e contínua dessa carne muita dela se teria estragado pela sua deterioração rápida, face à amplitude térmica elevada nessa região. De dia a temperatura atingia os 45º e à noite descia para os 5º, tipicamente clima desértico. Foi o local onde senti mais calor e mais frio, no mesmo dia, em toda a minha vida.

Espaldão para abrigo
Visão do lado da chana


                                                                                        (Fotografia cedida pelo Luís Frade em 2014.05.10)
Abertura de vala para colocação dos bidões de JP1 (Gasolina para Helicópteros)


(Fotografia cedida pelo Luís Frade em 2014.05.10)


                                                               Luís Frade executando tarefas de serralharia

Carlos Jorge Mota                                                                     


2 comentários:

  1. Gostei imenso de ver. Recordar é sempre gratificante. Parabens.

    ResponderEliminar
  2. Grato, amigo - não sei se é Camarada -, em meu nome pessoal e da Companhia de Caçadores 2506, pois o Blogue pertence-lhe, eu apenas sou o Administrador.

    ResponderEliminar

Agradeço o seu Comentário, que vai ser monitorizado