INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

segunda-feira, 31 de março de 2014

X - ATAQUE … DE DENTRO PARA FORA

Quando se regressava duma caçada, geralmente à tardinha, depois da saída pelo amanhecer, formalmente em patrulhamento, o animal capturado ficava pendurado numa árvore alta junto ao local destinado a Refeitório, para arrefecimento da sua carne durante a noite e posterior desmancho logo pela manhã cedo. Óbvio que nessa escuridão quase total, um pouco aliviada nas luas-cheias, as sentinelas teriam que redobrar a atenção porque os leões, atraídos pelo cheiro, frequentemente aproximavam-se muito do arame-farpado e, por vezes, até tocavam nas latas, garrafas e tudo que chocalhasse, lá pendurado por razões de segurança. O bicho Homem, principalmente quando em grupo, mete respeito a todo o animal, por mais feroz que ele seja. A Coutada continha dois pontos de entrada, sem arame, para tráfego das viaturas, mas com pessoal em vigilância, e ainda a larga chana, em declive mas sempre iluminada com holofotes, por razões óbvias.

Búfalo. Fiz parte desta caçada

Local de Refeitório para o Pessoal (provisório)

De noite, como é normal nos Quartéis, e ali por razões acrescidas, é colocado pessoal de reforço para vigilância em locais interpostos entre os pontos normais diurnos. Em cada posto ficavam 3 soldados cujo tempo de sentinela era de duas horas, com descanso de quatro horas para dormida no chão, e cada um ia acordando o seguinte, até fim do serviço.
A hora da temperatura mais baixa, em qualquer parte do planeta, é por volta das 6 horas da manhã, e, talvez já pelo cansaço e também pelo frio, era frequente, na ronda aos postos, serem encontrados os três soldados a dormir, portanto, posto sem vigilância. Por razões decorrentes da minha atividade dentro do Aquartelamento, a minha ronda era sempre a última, isto é, exatamente a que abrangia aquela terrível hora. E eu seria, porventura, o Graduado que mais soldados encontrava a dormir. Uma participação formal dessa ocorrência traria como consequência uma punição extremamente severa para o infrator, inclusive julgamento em Tribunal Militar, razão por que, normalmente, em toda as latitudes, as participações, quando elaboradas, descreviam uma situação de “menor atenção”, nunca “a dormir”, embora o Comandante, fosse a que nível fosse, percebesse imediatamente o que realmente tinha acontecido. Na Companhia de Caçadores 2506, que eu tenha conhecimento, e julgo estar bem informado, nunca se fez qualquer tipo de participação por tais razões. Para evitar que, estremunhados, pudessem ter uma reação perigosa, segurávamos as armas dos três soldados, porque desconhecíamos quem competia estar de vigia, e acordávamo-los. O infrator pedia desculpa e diziam todos, depois, como que para atenuar os efeitos: “não há problema, aqui não há turras”. Incutíamos-lhes a ideia, que era verdadeira, que naquele tipo de terreno, um ataque ao quartel se faria sempre com tiro curvo (de morteiro, por exemplo), pois com tiro direto noturno os “turras” denunciariam as suas posições.
Como esta situação, pela nossa avaliação, se poderia tornar perigosa – um dia os guerrilheiros iriam apanhar-nos à cama e levar-nos “à unha” – decidiu-se, num período em que o Capitão Santana estava ausente em Luanda, não me lembro já por que razão, e quem comandava a Companhia era o Madureira – meu futuro colega, embora noutro Banco, o Espírito Santo -, por ser o Alferes com o Curso de Operações Especiais, tirado em Lamego, logo, com a Nota de Curso mais alta, deliberou-se, como atrás digo, fazer-se uma simulação de ataque, como sendo verdadeiro, ao Aquartelamento. Assim se decidiu, assim se fez. À noite, todos os Graduados se colocaram na Messe, com exceção do 1º Vilares e do Candeias, penso que só estes, mas foram avisados, e eu, trocando a última ronda pela primeira, depois de passar o primeiro posto e entre este e o segundo, atiro uma granada ofensiva para fora do espaldão. Imediatamente, do lado precisamente oposto, o Freitas, igualmente com o Curso de Operações Especiais (também futuro colega e do mesmo Banco, o Pinto & Sotto Mayor, onde eu exerci funções de Chefia na Área de Estrangeiro, primeiro, indo depois para a Inspeção e Auditoria; ele terminou a sua carreira como Sub-Gerente no Balcão dos Carvalhos)  procede de igual modo. Bum! Bum! foi ouvido em pontos diametralmente opostos. Gerou-se logo uma situação confusa, com o pessoal a sair das tendas e a correr para os abrigos, mas alguns fazendo já fogo, penso que para o ar. Comecei a ouvir uma fuzilaria atrás de mim e pensei que iria morrer ali com um tiro pelas costas. Começo a gritar “alto ao fogo!”, “alto ao fogo!”, “só se abre fogo no abrigo e quando se localizar o IN!”.
Foram momentos curtos, de uns 10 minutos, mas muito problemáticos. Fiquei meio surdo do ouvido esquerdo e ainda hoje carrego essa deficiência nos sons agudos. O homem da Metralhadora Breda, do lado esquerdo, varreu toda aquela zona, já via até, na escuridão, os turras a correr na pista …
Para aumentar a credibilidade do ato, imediatamente saiu um Grupo de Combate para a mata, bateu toda a zona circundante num raio de cerca de 2 Kms e lá pernoitou.
Por mera e feliz coincidência, no dia seguinte deslocou-se de avião à Coutada o 2º Comandante do Batalhão a que estávamos adidos, Major José Maria Barroso Branco Ló, e, pelo Madureira, ainda na pista, foi-lhe relatado o que havíamos feito. Ele ouviu e aquiesceu, não sei se por dedução pragmática militar da positividade aplicada ou se por mera condescendência compreensiva… Essa vinda deu-nos a possibilidade de gerar na mente do Pessoal de Transmissões a razão da não inclusão no Sitrep desta ocorrência, o que não diminuiu a sua verosimilhança. Todos os Graduados fizeram um Pacto de Silêncio sobre o assunto e o compromisso de esta Simulação nunca ser revelada. Certo, certo, certo, é que nunca mais se apanhou uma sentinela a dormir!... E eles andavam mesmo por ali, conforme desenvolvimentos posteriores vieram a demonstrar.
Penso que, agora, passados mais de 40 anos, este compromisso solene pode ser quebrado, razão por que cito aqui esta façanha, que nos poderia ter saído muito cara, se as coisas tivessem corrido mal. Mas … era a exigência do momento … e os 22/23 anos de idade também ajudaram um pouco… E era a Guerra!...

Carlos Jorge Mota

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