INSÍGNIA E LEMA

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CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

segunda-feira, 31 de março de 2014

XII - O CHOQUE BRUTAL

Chego dia 27 de fevereiro. Viagem de carro para casa. No trajeto introduzem perguntas curiosas sucessivas, mas também reveladoras, percebi logo, de neutralizar as minhas em relação a meu pai, razão da minha vinda acelerada.
Entro no quarto, ele, deitado na cama, com a feição completamente desfigurada, entra num choro convulsivo, dizendo, numa voz deficiente: “vens da Guerra, não te despediste de mim, e agora vês-me nesta forma!”. Eu, qual durão ceráceo, retorqui: “o paizinho (assim lhe chamava eu) está com razoável aspeto e vai recuperar rapidamente, vai ver!”. Saio, fecho-me no Quarto-de-Banho e choro desesperadamente procurando abafar o som, pois um homem não chora, muito menos “um guerreiro”.
Gozo os 30 dias normais da praxe mais os 5 ao abrigo do então Artigo 109º (se a memória não me atraiçoa). Tempo dum relaxamento tenso, convívio com a família e com a namorada. Os amigos estavam todos em África. Ida ao Quartel-General no Porto, para carimbar o Passaporte Militar, como mandavam as regras, para confirmar a presença na cidade.


Em casa de meus pais, com Noé Fontes – irmão dum Camarada, também amigo de infância,  que se encontrava em Luanda, no Posto de SPM (Serviço Postal Militar) do Grafanil –, e que,  por ser um pouco mais velho, já tinha passado à disponibilidade, sem mobilização.
Ignorava ele que, passados 3 anos, estaria em Cabinda, como Capitão Miliciano. Também se tornou bancário, mas no Banco Totta & Açores.


O Dr. Cruz, acompanhante da doença de meu pai, tio dum cunhado meu, informa-me, com indisfarçável dificuldade: “Jorge, quando voltar para Angola não vai voltar a ver o seu pai! Vai-lhe dar o 3º AVC – estão reunidas todas as condições, não sei é quando ocorrerá – e ele não irá resistir”. Fiquei siderado.
O tempo de regresso aproxima-se rapidamente pois o tempo de convívio não passa ... voa. Peço à família que quando, e se, o pai falecer não me avisem de imediato, pois não quero conceber a ideia de receber um telegrama informando-me desse facto e eu não poder estar junto a ele. “Comuniquem-me passados aí uns dez dias”, disse eu.
Decorridos num ápice os dias 27 e 28 do segundo mês daquele ano de 1970, todo o mês de março e o 1º de abril, estou eu de mala feita para embarque no dia 2 em Pedras Rubras.
Entro no quarto de meu pai, e ele, balbuciando, diz: “já vais, não é? Vai, vai, é o teu dever e deves cumprir essa obrigação”. Nascido em 1903, viveu as duas Guerras Mundiais. O termo “guerra” era muito emblemático para ele, mas teve sempre um sentido muito patriótico acerca dos conceitos da época sobre as Províncias Ultramarinas. Sabia bastante da matéria relacionada com a defesa das Colónias aquando da I Guerra Mundial. Eu, qual autómato sorumbático, aparvalhado, dou-lhe um beijo e um abraço e saio rapidamente do quarto. Procuro colocar a minha mente já em Angola para tentar fintar o pensamento que me assalta e me fere o coração.
Abraços e choros circunstanciais dos presentes, entro no Caravelle da TAP em Pedras Rubras e concentro-me já em Lisboa, onde me aguarda um Jumbo (Boeing de 2 pisos) na sua viagem inaugural, chamado “Vasco da Gama”, com destino a Luanda.
A premonição do médico foi cumprida quatro meses depois.

Carlos Jorge Mota

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