INSÍGNIA E LEMA

INSÍGNIA E LEMA
CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

QUANDO A FOME APERTA

São momentos como estes, em que todos juntos e apesar das más condições em que seguíamos no “Paquete de 5 estrelas UIGE”, não se vislumbrava naqueles jovens rostos alguma tristeza. As mesas, com os militares bem aconchegados e “guarnecidas de suculentos alimentos e acompanhados de vinho Alvarinho!”, pelo contrário, mantinha-os alegres e sorridentes. A imagem é prova disso? Mesmo no alto-mar, os quatro Magníficos se mantêm inseparáveis, ”mesa pequena”.
Foram mais de dois anos passados juntos e em situações mais ou menos adversas. Por isso, todos temos uma qualquer história para contar e esta, no Barco, é uma delas.
Estávamos no início de uma longa viagem, longe de tudo e todos, no entanto, tivemos sempre por companhia a senhora água. Tão dedicada e delicada se prestou que ao fim do primeiro dia sobre o seu manto, e por via das ondas que por todo ele fazia, fui acometido de um indesejado enjoo, tendo, por isso, sujado, de alguma forma, sua esplendorosa, mas não menos tenebrosa, formosura. A partir dali, os problemas aumentaram. Era inquestionável a fragrância que imanava no interior do UIGE, vinda dos “luxuosos e requintados” aposentos que o Zé-militar tão deliciado e sensibilizado ocupava.
Eu, no entanto, e porque provinha de uma linhagem sem pergaminhos de luxúria, enveredei por mudar de aposentos, buscando, porventura, uma melhor paz física e um deslumbramento sem limites, tendo a proeza de escolher a proa do Navio. Via-me porém, todos os dias, na obrigatoriedade de descer, ainda a luz que nos permite viver não aparecia no horizonte, à luxúria que anteriormente ocupava e desprezei, mas que ainda mantinha, para guardar o manto com o qual me aconchegava durante as belas noites, e também fugir da mangueira de água, que todos dias era usada para a lavagem da coberta por volta das 6 horas da manhã. Era de fazer inveja aquela hospitaleira esplanada. A toda à nossa volta tudo se via e nada se vislumbrava. No entanto, tínhamos um teto lindíssimo. Todas aquelas luzes e constelações encantadoras alimentavam os nossos fascinantes sonhos.
Tenho falado quase sempre no plural, mas há uma razão para isso. É que, logo que eu tomei a iniciativa de deixar o porão, local que ocupávamos em estreitos beliches de madeira respirando um cheiro difícil de aguentar, os meus três companheiros, do Grupo “os Inseparáveis,” Carvalho, Almeida e Boavista”, seguiram as minhas pisadas, e assim, até admirando o brilho das estrelas e levando com os salpicos das ondas, o fazíamos juntos.   
 Alguns dias se passaram e tudo parecia igual, nada sobressaía daquela rotina.
Estávamos então próximos da linha Equatorial quando constatámos que o “luxuoso paquete” fazia a sua primeira escala e por horas indeterminadas. Estávamos atracados. A “ilha” era estranha, porém, tinha tanto de fascinante e deslumbrante como ilusória. Vários comentários absorviam todos os momentos que intercederam entre a paragem e a partida. Nem tudo corria como o planeado, diziam uns. Estamos imóveis porquê,  questionavam-se outros. Autorização de sair não havia. A ponte não é descida. Se queríamos apear-nos em algum lado deveríamos fazê-lo onde estávamos. Verificou-se, entretanto, que a força que nos vinha empurrando desde a partida de Lisboa falhou no confronto com aquele manto ondulante e estonteante, e poderosamente imenso. O combate durou uns tempos, mas como tínhamos como destino um porto mais para Sul, e depois de recuperado o folgo, a força dos muitos cavalos que detinha o nosso transporte põe-nos novamente em movimento, deixando para trás um sulco de raiva. E assim, perante um mar azul e depois de navegarmos acompanhados e guiados durante vários momentos por alguns amigos Golfinhos, chegámos a uma Baía de águas calmas, era o fim de uma viagem. Luanda estava ali a um passo.




Manuel de Jesus Freitas - Ex-Condutor
2015.02.03

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