INSÍGNIA E LEMA

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CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

domingo, 18 de outubro de 2015

ESCOLTA PARA ENTREGA DE MUNIÇÕES E … OPERAÇÃO NO DESTINO

Ainda com apenas cerca de quinze dias de Angola, a minha Secção foi encarregada de escoltar transporte de munições a uma Unidade estacionada em Maquela do Zombo, localidade situada bem no Norte, entre os Distritos do Zaire e do Uíge, muito próximo da fronteira do então Zaire (país), zona de fortíssima actividade inimiga.
Seguimos em dois Unimogues, cujos condutores eram o Freitas e o Carvalho, e colocámo-nos num dispositivo típico de escolta, neste caso a uma viatura pesada civil requisitada pelo Exército e que transportava munições.
Foi-me transmitido que, algures, num ponto do qual já não me lembro o nome, seríamos reforçados por elementos de uma Companhia em quadrícula naquela área, só que ninguém apareceu e também não recebi, na qualidade de Comandante da Escolta, qualquer informação dessa ausência.
Chegados ao destino, o Oficial-de-Dia à Unidade destinatária dessas munições perguntou-me onde se encontrava o resto do pessoal. -“Que resto?”, respondi. –“Somos só nós!”. Ele, estupefacto, vociferou contra a irresponsabilidade de quem nos incumbiu daquela tarefa com tão poucos efectivos. Regressámos à base em Luanda, eu muito apreensivo fiquei com aquele desabafo, mas, felizmente, nenhum incidente ocorreu no retorno.
A nossa Companhia (2506) entretanto, ao fim de 3 meses, marchou para as Terras-do-Fim-do-Mundo, em reforço do Batalhão de Cavalaria 2870, cuja sede estava em Serpa Pinto, mas a minha Secção, bem como a do Veríssimo, que era de Armas Pesadas, ficámos no Grafanil.
Um belo dia, e estava o Veríssimo de Serviço-de-Dia ao Batalhão, recebo ordens para comandar duas Secções, a minha e a do Veríssimo, e irmos fazer uma escolta a uma viatura militar que iria entregar munições a uma Unidade estacionada no Zenza do Itombe, no início da Mata dos Dembos, que tinha o epíteto de Companhia “O Bando”.
A viagem correu muito bem, chegámos no outro dia ao amanhecer ao nosso destino e, para meu espanto e dos dez que me acompanhavam, à entrada do aquartelamento estava colocado algo que sugeria ser uma caveira e com o seguinte dizer:  “NÃO HÁ PERIGO DE CHEIRAR MAL PORQUE MUDAMO-LA TODOS OS DIAS”. Percebi logo que aqueles “velhinhos” (designação em gíria castrense para quem tivesse já ultrapassado metade da Comissão -  e estes estavam próximo do fim) deveriam estar quase todos bem avariados da cachimónia, face ao tempo decorrido e ao perigo iminente no quotidiano militar.
Dirigi-me ao Capitão, Comandante daquela Companhia, e dei ordem ao pessoal sob o meu comando para se manter nas viaturas. Entretanto, os Camaradas de lá, ao estilo de boas-vindas aos novatos, pois percebia-se pela cor ainda muito viva do camuflado que vestíamos, diziam: “maçaricos de merda, daqui não saís vivos” e outros impropérios a que o pessoal se ia habituando e que já era um ritual.
O Capitão perguntou-me quem eu era, pois nunca tinha visto a minha cara, disse-lhe que  trazia munições e pedi-lhe instruções para me indicar a quem as entregar.
Levantou-se, olhou para mim - e nunca esquecerei aquele olhar revelador de mente insana - e disse-me:  - “Entregue ao FDP do Oficial-de-Dia, que deve ainda estar bêbedo, pois aqui, desde o Capitão ao Raso, são todos bêbedos”. Não sei se a frase fez parte do ritual de boas-vindas ou se todo aquele pessoal estava mesmo transtornado da “mona”. No início admiti ainda que era brincadeira, mas, ao outro dia, quando fomos tomar o Pequeno-Almoço, estava um Barril de Vinho … em vez da Panela do Café. NEM NO APOCALIPSE NOW! Minha mente colapsou por instantes …
Saí, fui ter com o Oficial-de-Dia para lhe entregar as munições, e a primeira pergunta dele foi se tinha sido o “bêbedo do Capitão” que me tinha mandado dirigir-me a ele. Respondi-lhe afirmativamente e aproveitei para solicitar se nos abonavam alimentação quente e onde nos poderíamos deitar. Ficámos ao ar-livre e fomos dos últimos a comer. Mantivemo-nos sempre todos juntos e fizemos sentinelas entre nós, pois eu percebi logo que algo ali não batia bem.
No dia seguinte fui chamado ao Capitão que me disse que eu e o meu pessoal nos iríamos integrar numa Operação, reforçando um Pelotão, nas margens do Rio Zenza.
Eu retorqui que só tinha recebido instruções para entregar as munições e que nunca me foi referido o efectuar qualquer Operação.  –“Faça o que lhe digo, vá”, proferiu. Ignorava à data se ele teria ou não competência para dar aquela ordem, mas … cumpri, como mandam as Regras Militares, e lá fomos para a dita.
Lembro-me que, a dado momento, um dos Furriéis desse Pelotão reparou que já tínhamos passado pelo mesmo local duas vezes. Chamou o Guia e disse-lhe do que se tinha apercebido. Foi a última vez que vi o Guia. Presumo o destino que lhe terá sido reservado. Ainda andámos mais um dia na mata. Este Furriel suicidou-se mais tarde com um tiro na cabeça.
Nessa noite, no acampamento, ouviu-se uma rajada de metralhadora. A sentinela disse não ter conhecido quem dele se aproximava: era o Capitão. Viemos, finalmente, embora daquele Inferno e regressámos ao Grafanil, nossa base em Luanda.

Esta insólita situação julgo ser única e sui generis na Guerra do Ultramar pois nunca ouvi relato semelhante de algum Camarada, nem à época nem posteriormente.
Soube mais tarde que "O Bando", na viagem de regresso à então Metrópole, cometeu intoleráveis desmandos no navio e que estiveram para ser desembarcados na Guiné. Desconheço as consequências de tal comportamento mas, com toda a certeza, deverá ter sido feito um inquérito rigoroso e alguns terão ido mesmo parar à Prisão, atendendo a que a Disciplina Militar obrigatoriamente é, e terá que ser, implacável com estas atitudes.
Anos mais tarde, encontrei um Soldado daquela Companhia que me contou a história da viagem de regresso, das cenas lamentáveis ocorridas no navio, do suicídio do tal Furriel e que tentava esquecer o que se tinha passado durante aqueles anos de juventude em Angola. Não o voltei a ver de novo, mas sei que se chamava Manuel e que era de Baião.

Sérgio Lopes

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