INSÍGNIA E LEMA

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CONQUISTANDO OS CORAÇÕES SE VENCE A LUTA

sexta-feira, 2 de março de 2018

INSÓLITO: A HISTÓRIA DESTA FOTOGRAFIA: "MAIS VALE ASSIM ... QUE PIOR !"


Tinha alguns outros tí­tulos para esta fotografia :
"Grandes males ... grandes remédios"; "Acreditem se quiserem"; "Imaginar uma solução"; "Por vezes um pouco de loucura é preciso".

Tudo começou assim:
Saí­mos do Grafanil, com viaturas Unimog, com destino a Nova Lisboa. A nossa Missão era acompanhar  uma coluna civil de viaturas pesadas. 
Seria mais uma Escolta igual a tantas outras. No entanto, até chegar a Nova Lisboa duas avarias em viaturas civis atrasaram os nossos compromissos e desgastaram o pessoal, pois houve que ajudar os condutores a resolver esses percalços. 
Com a nossa Missão cumprida, haveria que percorrer uns 600 quilómetros de volta ao Grafanil. Deveríamos chegar ao aquartelamento de madrugada. Mas, o nosso regresso preocupava-me. Os homens estavam muito fatigados. Todos estávamos a pé desde as 4 horas da manhã. Os Condutores Auto precisavam de descansar. E havia mais a ponderar: o frio cortante do planalto nas noites geladas de Nova Lisboa, que iria fustigar durante muitas horas os homens desprotegidos de agasalhos em cima dos Unimogues.
Como sabemos, de noite, se acontece um acidente, tudo se complica, sobretudo no que respeita aos necessários meios de socorro. Na minha imaginação passavam imagens das viaturas a percorrer centenas de quilómetros numa estrada fria, deserta e escura. Até imaginava homens a cair das viaturas, não derrotados pelo inimigo, mas pelo cansaço.
Pensando nisto tudo, não queria fazer a viagem até Luanda (Grafanil) de noite. Mas, aonde irí­amos pernoitar?
Éramos muitos! Podí­amos prosseguir alguns quilómetros após deixarmos a cidade de Nova Lisboa, para depois sairmos da estrada e descansar umas horas nas viaturas, ou no chão, utilizando os sacos- cama. Porém, sabia-se lá em que tipo de terreno nos irí­amos deitar? Decerto, com vegetaçao, pedras e sem água por perto...    
Não restava muito tempo para decidir: dentro de uma hora e meia seria de noite. De facto, em Angola, em poucos minutos o dia dá lugar à noite cerrada, que desce abruptamente. E, com ela, vem o frio. Não existia solução "normal" à vista. Só uma "maluqueira" qualquer que funcionasse quanto ao objectivo pretendido. De repente, uma ideia surgiu: que tal tentar dormir num Jardim Público?
Com as viaturas em andamento percorrí­amos a bela e enorme cidade de Nova Lisboa. Poucos minutos passaram e tí­nhamos à vista um grande e bonito jardim. Ví­amos terrenos cuidados, belas árvores, passarinhos a esvoaçar e ouví­amos o som agradável das crianças a brincar. Era mesmo aqui que haví­amos de passar a noite. Não tinha dúvidas. Então disse: "Vamos parar ... encostem as viaturas ao passeio... vamos dormir neste jardim ... estou a falar a sério!... estamos muito cansados para continuar até Luanda ... descarreguem o que for preciso e preparem os sacos-cama ... depois, veremos se há melhor local para estacionar as viaturas". Os homens foram apanhados de surpresa: ora olhavam para mim, ora para o jardim, permanecendo imóveis e calados. É então que um deles desceu com o seu saco-mochila e, logo, os outros se lhe seguiram. Então, pedi ao Arvanas, um homem brincalhão, sempre pronto para fazer qualquer "serviço" que lhe fosse solicitado, e que também possuí­a uma grande tendência para se meter em sarilhos e em tudo que fosse "amalucado": "Arvanas ... vá por aí­ fora e diga às pessoas para abandonar o jardim porque vai haver um exercí­cio militar!". Reparei, nele, um sorriso de satisfação, e não perdeu tempo, desatando em passo de corrida para dentro do jardim, com a arma ao alto, calmamente falando, foi inventando as palavras no seu jeito alentejano: "Atenção! ... Atenção! ... Exercí­cios militares ... O jardim vai fechar ... As senhoras levem os seus cachopos ... Vossemecês abandonem o jardim ... Manobras militares ... As brincadeiras de baloiço acabaram ... Exercí­cios militares ...Abandonem o jardim... ". 
Rapidamente, o jardim ficou deserto. Agora, ele, era nosso. 
Aproveitei para pedir ao Galhanas que acompanhasse o Condutor-Auto na viatura e fossem percorrer as redondezas no sentido de encontrar algum estabelecimento que tivesse pães, casqueiros e cervejas. Desta feita, tínhamos tudo o que precisávamos: chão direito; candeeiros de iluminação; um chafariz para beber água; a casa-de-banho do jardim; as viaturas devidamente estacionadas e à vista de todos e, muito importante, pão e cervejas.
Rapidamente, todos nós nos entregámos às nossas tarefas pessoais, comendo das rações de combate e preparando os sacos-cama para um descanso merecido e obrigatório. 
Quando os primeiros raios de sol brilhavam já os pássaros chilreavam anunciando o nascimento do dia. Em breve cantavam os motores dos Unimogues.
A cidade hospitaleira ficava para trás. 
Novas Missões nos aguardavam à nossa chegada. 
Quem sabe se algum camarada de armas ao ler estas linhas e ao ver esta fotografia irá dizer: "Eu também estive ali!". E, porventura, acrescente algo do seu sentir. 

Nota : Aproveito para realçar o desempenho dos nossos Mecânicos que permitiram que as nossas viaturas não nos dessem preocupações. 

Fernando Temudo
Furriel Miliciano

4 comentários:

  1. Bonito sim senhor...os Portugueses são assim...lei do desenrasca e ...foi a melhor solução. O problema é se aparecia a PM mas com a rapaziada armada...eles nem se atreviam!!!!!

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    1. Este comentário, pode não dizer nada aos camaradas, mas é do Carlos Neves, vagomestre da CCS. Um abraço Neves!

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    2. Não tinha conhecimento deste endereço. Pelo que vejo o nosso amigo “Carlão” segui pelo “caminho desenfiado”. Penso que não foi a única vez.

      Para além das deslocações a nível de batalhão também estive em Nova Lisboa, pelo menos a nível de grupo de combate ou talvez, também, com o terceiro grupo. Já não recordo.

      Pelas minhas notas, a Cia chegou à M Manuela vinda do Dange a 24/12/69. Foi o regresso final ao Grafanil, finda que foi a Operação Grande Salto. Na Manuela passamos a noite de Natal. Nas primeiras horas do dia 25 a Cia iniciou o regresso a Luanda e o meu grupo de combate separando-se, tomou a direção de Nova Lisboa, onde chegou a horas tardias do dia 25. Partimos no dia 27 para Luanda onde no dia seguinte já estávamos completamente instalados. Não recordo qual foi o objetivo desta deslocação. Penso que a título de escolta, fomos levar ou trazer algo.
      Lembro-me de poucas coisas, mas recordo que ficámos junto à guarnição militar da cidade, dei umas passeatas com alguns camaradas, degustámos uma “frangada” ao almoço e à noite fizemos um “golpe de mão” a um ou outro bar.
      Estou a reunir mais elementos para fazer um escrito sobre todo este regresso a Luanda.

      Abraço ao Temudo e a todos
      jM

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  2. Gosto sempre de ler as vivências do amigo Temudo!
    Daqui faço um apelo a este amigo para publicar as suas histórias em Angola, do tempo da nossa guerra ou posteriormente ao serviço da Emissora Nacional (Angola).

    Dá a conhecer o teu percurso nestas terras africanas.

    Um abraço Temudo!

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